Saúdo a iniciativa que considero muito oportuna
Tive o seguinte abstract para comentar:
“O mercado móvel não é passível de concorrência perfeita (pelo menos em todas as fases da cadeia de valor): Não há lugar para quatro operadores (em todas as fases da cadeia de Temos um oligopólio, tendencialmente não concorrencial.”
Porque se trata de Jornadas de Regulação, existe uma questão prévia que
importa discutir: qual o papel do regulador na definição do número de
operadores existentes no mercado e em particular no mercado dos
móveis? Qual o tipo de intervenção que deve o regulador ter?
Parecem universais as missões definidas por alguns dos reguladores
europeus. Oftel, Reino Unido: “Promover os interesses dos consumidores
e manter e promover uma concorrência efectiva”. CMT, Espanha:
“Salvaguardar, em benefício dos cidadãos, as condições de concorrência
efectiva no mercado das comunicações”; ART, França: “garantir o
exercício, em benefício dos utilizadores, de uma concorrência efectiva e
Tais missões estão aliás alinhadas com os objectivos previstos para as
autoridades reguladoras nacionais na nova Directiva Quadro da Revisão
99: “As autoridades reguladoras devem promover a concorrência na
oferta de redes de comunicações (.) assegurando que os utilizadores (.)
obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade
(.) assegurando que a concorrência no sector (.) não seja distorcida nem
Ou seja, dois aspectos centrais. Sujeito principal: os consumidores (e não
os operadores). Ferramenta essencial: a concorrência.
Dito isto, importa também afirmar que, em telecomunicações, retirando
situações de excepção, a lógica é que tudo está liberalizado e que o acesso
ao mercado é pleno. Aliás esta é a norma que vigora no direito
comunitário, desde 19961, onde é claramente referido que: “Os Estados-
membros apenas podem limitar o número de licenças a emitir no caso de
insuficiência do espectro de frequências e quando tal se justificar à luz do
Cabe ao regulador, na defesa dos interesses dos consumidores, promover
a concorrência no mercado das comunicações, garantindo que não
existem barreiras à entrada, para além das decorrentes da insuficiência do
1 Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, que altera a Directiva 90/388/CEE no que
diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações
É assim contrário aos interesses do regulador e ao próprio enquadramento
legal qualquer iniciativa no sentido de limitar o número de operadores no
Antes pelo contrário, o regulador deve a cada momento verificar da
própria necessidade de incrementar o nível de concorrência, sempre que,
de uma análise atenta ao mercado, verifique haver sinais indiciadores de
diminuição do nível de competitividade. A título de exemplo refiro dois
sinais (por acaso presentes no mercado português): a) estagnação ou
mesmo diminuição do nível de investimento no mercado (associado a
baixa inovação) e b) manutenção dos níveis de quota de mercado
(indiciador de uma acomodação do nível de concorrência registada).
Ainda em relação à eventual regulação do número de operadores, existe
aqui uma questão, que julgava ultrapassada, mas que importa abordar,
tendo em conta algumas declarações públicas de alguns responsáveis por
empresas de telecomunicações: deverá esta abordagem, liberal, ser
preterida por forma a evitar o impacte que a entrada de novos operadores
A este respeito, acho que importa referir o seguinte (3):
a) Essas empresas sabem (pelo menos desde 1996!) que a regra á a de
que “só não há mais concorrência se não houver espectro”, o que já
parece ser felicidade suficiente para quem opera nesse mercado;
também sabem que em concreto já beneficiam de um atraso de 1 ano
na entrada de um novo concorrente, o que parece tempo necessário
b) Se o mercado, com as empresas existentes, se comportar perto das
condições de concorrência perfeita, nomeadamente em termos de
partilha de excedentes, por mais espectro que exista, não haverá
atractividade para o estabelecimento de operações alternativas. Caso
diferente é apostar nas barreiras à entrada como arma desincentivadora
c) Apesar de ser difícil reconhecê-lo, a concorrência é o sistema mais
eficaz para induzir ganhos de eficiência no mercado, mesmo no caso
dos operadores já instalados. É estranho estarmos a discutir este
argumento em 2002: manter que acréscimos de concorrência podem
ser negativos para os consumidores é regressar a posições da década
Tratadas que estão as questões relativas à regulação do número de
operadores, importa então ver a questão central lançada em debate: Há
lugar para 4 operadores? Vejamos alguns elementos para a resposta (5):
a) Dificilmente encontraremos uma resposta isenta da parte de quem já
está no mercado. É simples aritmética: as quotas de mercado somam
sempre 100 e à entrada de alguém corresponde sempre perda de quota
dos que já lá e estão. E esta posição é coerente no tempo: foi assim
quando entrou a Telecel, foi assim quando entrou a Optimus e foi
assim quando se liberalizaram as telecomunicações fixas. Mas a
coerência é apenas nos enredos, porque já no que diz respeito aos
actores a coerência é nula. É como as praxes nos colégios: parece que
os mais praxados são aqueles que mais vêm a praxar no futuro.
b) A resposta deve ser encontrada junto dos investidores e a decisão só a
estes deve caber. Já vimos que do lado de um regulador independente,
é óbvio que é atraente um cenário com mais operadores. Também já
vimos que do lado dos operadores incumbentes (e aqui o termo é
utilizado com toda a propriedade) não podemos ter avaliações isentas.
É claro que é quem toma a decisão de investir, que está em melhor
situação para ver se a relação rendibilidade-risco é suficiente para
avançar ou não. E deve poder fazê-lo, a cada momento com a
informação que tem e dada a envolvente que enfrenta.
c) A viabilidade de um quarto operador no entanto não é uma equação,
mas antes um sistema de equações. Quer isto dizer que a análise da
entrada de um quarto operador não pode ser feita de forma isolada,
sem olhar para as características do próprio mercado. Veja-se por
exemplo o caso de Hong Kong, em que há 6 operadores, dos quais 4
com licenças UMTS, para uma população de 7,5 Milhões e habitantes,
com um rendimento per capita e com um ARPU próximos dos
registados em Portugal e onde todos os operadores apresentam
Afligem-me contas de merceeiro que dizem que não pode haver mais
do que xxx clientes por operador, fazendo parecer irrelevantes
considerações como sejam a eficiência de cada operador, o nível de
partilha de infraestruturas, ou o grau de desenvolvimento do mercado.
Na maior parte dos casos, parecem ser aproximações apenas
destinadas a justificar conclusões retiradas ex-ante, muitas das vezes
adaptadas a um número de operadores à medida da estratégia de cada
um. Para o terceiro operador, o número ideal são três. Para o segundo,
o número ideal são 2 . e por aí fora.
d) A pergunta em si mesma encerra uma certa imaturidade do sector, em
termos de convivência com a liberalização. Não tenho ideia que tenha
havido debates na indústria financeira em que se tenha colocado em
discussão a seguinte afirmação: “não há lugar para o 45º banco em
e) O que nos coloca também a seguinte questão: à semelhança de outros
sectores que convivam há mais tempo com a liberalização, não deve
haver dramas no que respeita a fusões, consolidações ou aquisições de
empresas de telecomunicações. Desde que se mantenham níveis
adequados de concorrência, nomeadamente nos sectores com maiores
barreiras à entrada, estes movimentos devem ser vistos como
saudáveis, caso fomentem maiores ganhos de eficiência. Isto é ser
Finalmente, comento a afirmação de que “temos (nos móveis) um
oligopólio, tendencialmente não concorrêncial”.
Oligópolio é apenas o nome que se dá a um monopólio com mais do que
um player. Fui ver a alguns dicionários e retenho a definição do Glossário
da Bloomberg, que me pareceu representativa das outras que encontrei:
“A Market characterized by a small number of producers who often act together to control the supply of a particular good and its market price”.
Assim, retirando o “tendencialmente não concorrêncial” que me parece
redundante, não posso deixar de concordar com a afirmação: que melhor
forma de controlar a oferta do que impedir a entrada de um novo
O papel do regulador reside na dinamização do mercado através de: Reconhecer a evidência; Alterar a perspectiva de que o óptimo é um mercado com muitas empresas;
2 Segundo o BP há actualmente 44 Bancos registados em Portugal.
Focar no benefício ao consumidor; Promover o desenvolvimento pelos serviços e não pelas tecnologias ou plataformas.
Tentando não perceber as indirectas, apenas acrescentaria as seguintes
a) É difícil promover o desenvolvimento completamente alheado das
tecnologias ou plataformas, quando se trata de serviços dependentes
do espectro radioelécrico, em que no mínimo têm que ser feitas
opções sobre as frequências a colocar a concurso. Já concordo no que
é adicional. Ou seja, havendo espectro e vontade de investir, não
devem ser colocadas restrições à tecnologia a usar, seja ela UMTS,
b) O papel do regulador também passa por não se deixar cair na
armadilha do “empresarialmente correcto”. Já vimos quais os
objectivos que interessa ao regulador prosseguir. Balanceá-los com os
impactes económicos ao nível das empresas que regula, parece
elementar regra de bom senso. Preteri-los de forma sistemática a tais
impactes económicos resulta claramente no contrário.
Finalmente, certamente que por pudor, apesar de se tratar de um painel
sobre UMTS não foi abordada no abstract a questão da recusa de
interligação entre as redes da Oni Way e da Vodafone e da Optimus. Em
relação a isso, não posso deixar de referir os seguintes aspectos:
a) A Oni Way celebrou em 7 de Novembro de 2001 (faz depois de
amanhã um ano) um contrato de roaming com a TMN, como forma de
fazer face ao atraso da tecnologia UMTS.
b) Tal acordo teria que ser obviamente avaliado pela entidade reguladora,
como única forma de saber se um contrato livremente celebrado entre
duas partes, estaria de acordo com o enquadramento regulatório
vigente. Essa avaliação foi positiva e ocorreu em 6 de Março de 2002,
c) Ciente da conformidade da sua estratégia com o enquadramento
regulamentar, a Oni Way investiu centenas de euros e contratou uma
força de trabalho directa de 350 pessoas e deu emprego, de forma
indirecta a mais 300. Estes activos, em conjunto com os consumidores
portugueses, aguardam que um conjunto de deliberações da
ANACOM – entidade cuja independência e poderes foram reforçados
em 7 de Dezembro de 2001 – sejam cumpridas pelos seus
destinatários. O que teimosamente não acontece, nomeadamente em
relação à última, que continua abertamente por cumprir por parte dos
Confesso que o assunto é tão sério que não consigo sequer ter a
perspectiva de quão caricato é. Mas mesmo assim, vale a pena retirar
algumas ilações e tentar agir de forma a que situações destas não se
venham a repetir no futuro, dado que em nada abonam a favor do
mercado português de telecomunicações:
a) É inaceitável que dois operadores se substituam ao regulador na
determinação de quem pode e quando pode entrar no mercado das
comunicações móveis, passados que estão 13 anos de separação de
funções de regulação e de operação no nosso país. Para além de
inaceitável é inacreditável que operadores que no passado (e no
presente, noutros contextos) pugnam pelo maior liberalismo e
concorrência, venham neste caso concreto ter este tipo de
comportamento. Parece afinal ser essencialmente um “liberalismo de
b) É inaceitável que dois operadores se recusem a cumprir uma obrigação
fundamental que decorre das suas licenças, do enquadramento
legislativo nacional e comunitário, reforçada com decisões claras da
entidade reguladora, ainda mais considerando que um deles tem poder
de mercado significativo, logo responsabilidade acrescidas.
c) É inaceitável que sobre um determinado assunto, ao fim de 5
deliberações – 5, todas no mesmo sentido, não se tenha ainda
d) É inadequado o regime sancionatório à disposição do regulador, que
se encontra “armado” com uma coima de 47.500 euros ou com . a
suspensão ou cassação da licença GSM dos faltosos.
Olhe-se para Espanha e veja-se quais são as armas utilizadas pela
CMT em situações de menor importância do que a que vivemos:
verificou-se no ano passado um conflito de interligação entre a Airtel
Móvel (empresa do grupo Vodafone) e um pequeno operador de
comunicações fixas, a RSLCOM, no qual não havia entendimento
relativamente aos termos do acordo, nomeadamente em relação aos
preço a pagar. A CMT, a entidade reguladora das telecomunicações
espanhola, resolveu o diferendo, obrigando aquele operador móvel a
pagar uma sanção de 4,2 milhões de euros, a serem directamente
depositados numa conta do BBVA. Há duas semanas, a mesma CMT
decidiu aplicar uma sanção de 13,5 milhões de euros à Telefónica,
dado que esta empresa incumpriu várias decisões do regulador no
sentido de dar interligação a operadores seus concorrentes.
Qual é o país que dá maiores garantias regulatórias, nomeadamente
para efeitos de decisões de investimento estrangeiro, p.e.?
(Aliás este é um problema bem português. As pessoas incorporam no
seu processo de decisão o valor esperado da coima a pagar)
e) É impensável que uma decisão deste alcance (que recorde-se justifica
o investimento de centenas de milhões de euros) tomada por um
regulador independente e preocupado em zelar pelo interesse público,
não seja inequivocamente de implementação imediata (obviamente
sujeita a mecanismos de recurso), dispondo-se antes a malabarismos
jurídicos que apenas se destinam, nas barbas do regulador, a evitar o
f) É aberto um precedente gravíssimo de desrespeito pelas decisões do
regulador, o que pode certamente ser utilizado de novo no futuro
noutras situações, mesmo contra aqueles que agora a ele recorrem.
g) Parece assim fundamental que a legislação esteja preparada para as
piores eventualidades, pois que esperar que “magistraturas de
influência” possam vir a produzir resultados, é, infelizmente, uma
posição ultrapassada nos tempos que correm em Portugal.
A regulação de telecomunicações celebra este mês 13, em Portugal, o seu
13º aniversário. (Foi em Novembro que decorreu a implementação do
Não me lembro de crise idêntica ocorrida neste período, porque mais do
que a viabilidade de um operador, está em causa um modelo de
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